quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O que não vi na Sicília, mas acho que vale a pena saber



Estava quase chovendo,mas o céu estava totalmente encoberto. Subir de carro para um local afastado da cratera não teria muita graça .
Imagino que tenha assistido esta erupção de 2003. É a própria ilustração do É FOGO!!!



Nem Siracusa nem o Etna, devido ao mau tempo. Foi uma grande perda, mas pensando bem - e como não é possível viajar no tempo - estas visitas tão desejadas vão ficar para a próxima viagem. Podem até justificá-las.

Mas, o que vimos e ainda mais o que deixamos de ver é exatamente do tamanho da Sicília e de sua história.

É atribuida a Richelieu uma frase que ele jamais disse, mas bem que poderia ter sido dita por ele:

"Dêem-me três frases escritas por alguém que vou achar motivos para levá-lo ao cadafalso".
Do mesmo modo a frase poderia ser no sentido positivo, trocando o cadafalso por paraíso, tudo dependendo da interpretação do que o autor disse.

A Sicília é como um livro repleto de dedeiras, orientando a sua viagem para o paraíso ou para paragens menos charmosas. Maa, na Sicília há tudo a ser visto.

Ponha o livro da Sicília diante de você e verifique na lombada as reentrâncias que permitem abri-lo na página marcada. Ali estão todos os conceitos desenvolvidos pelo homem ao longo da história.

Aqui estão observações em pílulas:


As grandes estradas da Sicília que cortam a ilha em todas as direções humilham os brasileiros e suas estradas por muitos motivos: são magnificamente construídas, passam numa sucessão de grandes viadutos, túneis quilométricos, asfalto sem oscilações e liso, limites de velocidade elevados ... sem que sejam necessários guardas ou policiais em toda a parte.

Mas, diante do tráfego de automóveis, caminhões e ônibus me peguntava se não teria havido alguma sacanagem para aprovar obras grandiosas como aquelas.

Não vi policiais, como não vejo as justificativas econômicas para construir aquelas estradas.

Poucos carros, poucos caminhões, pouca produção local se deslocando de um lado para o outro. Nada que exigisse a presença de policiais, o que seria muito civilizado. Só que não existem policiais por que não há muito a policiar...

As estradas - as grandes estradas, não as vicinais - estão preparadas para receber todo o turismo do mundo sem que esta demanda provoque engarrafamentos.

Como foi dito no primeiro texto sobre a Sicília, a ilha tem um status especial em relação à Itália. Estas estradas devem ter sido parte de um "pagamento" para manter os sicilianos em paz.

E eles estão relativamente pacificados, ou estavam relativamente pacificados até a nossa visita.

Como estou deixando este artigo para uma segunda prioridade voltei a escrevê-lo no dia 15 de fevereiro de 2011, depois da derrubada do Mubarack e da revolução democrática na Tunísia.

Ora, a Tunísia é a parte da África mais próxima da Europa, e a Europa no caso é a Sicília.

Fica a menos de 60 km da África (é mais próxima do que o Rio de Angra dos Reis) e agora passou a ser invadida por imigrantes ilegais em Lampedusa, nestes últimos dias.

A coisa tenderá a se tornar mais séria. Embora pareça incrível que a disponibilidade da democracia na Tunísia prenuncie para os que fogem de lá, falta de trabalho.

Hoje, e ainda por um bom tempo, a Sicília repleta de lições do passado vai permanecer por lá, sem maiores traumas. Mas, cada vez mais será invadida por povos africanos em busca de vida melhor.

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Agora outra observação não turística: há estatuetas de Mussolini feitas de lava do Etna disponíveis para os visitantes da ilha nas lojas de souvenires.

Não há estatuetas de Hitler disponíveis para visitantes da Alemanha ou da Áustria, onde esta questão de nazismo explícito passou a ser crime. Na Itália guardar lembranças do fascismo e de seu Duce, não é.

Porque há bustos de Mussolinis na Sicília ?

Por que há turistas que os compram é a resposta mais simples.

E os turistas que compram mais são exatamente os italianos, os italianos mais velhos que em alguns casos compram com os olhos cheios d`água.

Desde bem jovem descobri chocado que muitas vezes as boas obras de algumas pessoas eram produto de legítimos fdps sob qualquer critério de julgamento.

Wagner, por exemplo, foi um tremendo mau caráter, odioso em todos os seus gestos pessoais, mas genial em sua composições musicais. Ele é apenas um de uma galeria que feitas as contas teria assegurado camarote de luxo no inferno com espaço para suas obras de arte, vizinho de personagens que teriam o lugar por lá, reconhecidos por todos. Como o Mussolini, por exemplo.

Mas, como explicar a boa vontade e admiração por Mussolini hoje 65 anos após ser ele executado por uma turba enfurecida quando ficou clara a derrota na Guerra?

Mussolini assumiu o poder como fascista na Itália em 1922, muito antes de Hitler se tornar fuhrer na Alemanha. E foi o seu grande inspirador de gestos e de suas decisões a começar pelas saudações à moda romana , com as mãos esricadas, os calcanhares sendo batidos, enquanto a pessoa falava o "Heil Hitler" com toda a fé.

Para nós quase 100 anos após este surto de adoração aos chefes poderosos nos soa ridícula e impensável: imagina fazer juramentos por Hitler ou por Mussolini?

Imagine no passado mais distante ser oficial dizermos : Salve Getúlio!, ou depois em anos mais duros : Salve Médici!, ou Salve Figueredo!

Todo mundo iria morrer de rir, inclusive os próprios diante de tanta babaquice.

A coisa mais próxima disto perto de nósw ocorreu na Argentina depois da morte e subsequente desaparecimento do corpo embalsamado de Eva Peron.

A multidão reunida na plaza de mayo em Buenos Aires tocada por estes episódios de caça ao corpo embalsamado a sussurar "Se siente, se siente. Evita sta presente!!!!"

Evita já havia morrido há um bom tempo e o sussuro abrangente referia-se ao espírito da mulher do ex-presidente Peron, alguém que chegou perto deste culto semi-divino aos líderes do estilo de Hitler e Mussolini.

Agora, a pergunta que precisa ser feita: O que os italianos tanto devem a Mussolini a ponto de comprarem estatuetas com o seu busto?

O que ele teria feito que se tornou tão importante para as suas vidas?

Teria sido este benefício tão bom que tenha se sobreposto às suas ações pessoais erradas(um filme recente esclareceu de vez o seu mau caráter pessoal - e mais as bobagens dele que levaram a Itália a ser tão fragorosamente derrotada na Segunda Guerra Mundial?

Deixemos os italianos que não conhecemos tão bem e voltemos a nós, os brasileiros.

Todos os brasileiros com planos de aposentadoria, com férias anuais asseguradas, com direito a indenizações quando demitidos sem justa causa e gostam disto bem que podiam adquirir os bustos de Mussolini se soubessem que devem estas vantagens a ideias de Mussolini e dos fascistas implantadas aqui por Getúlio Vargas.

carta del lavoro italiana instituida por Mussolini não foi apenas uma legislação criada pelos fascistas e copiada pelos brasileiros. A carta del lavoro foi o documento máximo do fascismo e da legislação do país.

E foi a inspiração de toda a legislação trabalhista brasileira, reunindo em seguida na Consolidação das Leis do Trabalho em 1942, num só documento as "conquistas" dos trabalhadores brasileiros que asseguraram ao Getúlio o título de pai dos pobres.

Getúlio quando fazia os seus discursos começava com "Trabalhadores do Brasil! Brasileiros!"

A carta del lavoro do Mussolini é a obra de referência do fascismo, a sua Bíblia, como Mein Kamp de Hitler tornou-se na obra de referência do nazismo.

Mussolini e os seus fascistas dão de 10 a 0 em Hitler e seus nazistas.Pois é muito mais civilizado construir uma estrutura de poder em torno do respeito aos trabalhadores do que em torno de uma busca de valores raciais por parte de um povo ariano, negro, amarelo ou o que seja.

Os mais velhos italianos ainda devem sentir-se seguros devido à legislação do Mussolini. E só vim a me dar conta disto quando descxonfiei dos bustos de Mussolini na lojas de souvenires da Sicília...

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Da estranha admiração pelas múmias recentes. Como já disse em outra parte do texto fizemos de Palermo a nossa mais importante base para de lá sairmos para passar por locais notáveis na Sicília. Também comentei sobre o trânsito caótico na capital siciliana e devido a isto resolvemos deixar o carro alugado de lado e percorrermos num táxi os principais pontos turísticos de Palermo, sem nos preocupar em achar estacionamentos e melhores caminhos para até lá chegar.

Esta é uma boa ocasião para surpresas.

Há em Palermo um surpreendente museu de múmias. Nada de múmias egípcias, mas de múmias sicilianas que começaram a ser coletadas com um frade há 400 anos e chegam até uma menina (quase viva com a sua roupinha de menina ) nos últimos anos do século XIX.

Todas as múmias sicilianas estão vestidas com as suas roupas normais.

Não há aquelas ataduras associadas a múmias egípcias que de vez em quando sãem andando em filmes de terror.

No entanto, filme de terrorno museu é ao vivo, onde para nossa surpresa e choque encontramos centenas de múmias - que é apenas um nome para a sucessão de cadáveres mais ou menos bem conservados nas galerias infinitas das catacumbas dos fransiscanos.

Quando falo da nossa experîência todo mundo diz que já sabia das catacumbas, que até no Fantástico já fizeram reportagem sobre o assunto.

Para nós, levados para lá de táxi, esperávamos galerias com catacumbas fechadas e inscrições sobre os mortos e não a recepção pelos próprios mortos...ao vivo!

O que mais impressiona porém, não são os mortos de plantão: são as roupas dos mortos que se fossem lavadas e passadas poderiam ser usadas pelos sicilianos do presente.

O motivo da preservação das roupas é o motivo maior da preservação dos mortos. O ar seco, a temperatura, a ausência de luz tudo conspira em favor desta permanência infinita dos sicilianos em suas catacumbas. Nem mesmo os terremotos que destroem regularmente os prédios não afetam os mortos vestidos.

O cemitério deles é que mudou de lugar no início do século XX para um prédio mais confortável, se é que conforto possa ser associado a seu bem estar físico.

A menos que você seja chegado ou chegada a programas góticos, prefira não ir. Mas, se for, vai se arrepender do triste destino que a sua família tem dado aos que já partiram... que poderiam ficar em algum lugar também mais confortável assombrando os vivos.

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O problema que é viver do passado e ter o passado a cada momento diante de seus olhos.


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