segunda-feira, 21 de julho de 2014

Criatividade é uma subversão de comportamento que tem o dom de levar as pessoas não criativas a se considerarem inteligentes.

Criatividade é uma subversão de comportamento que tem o dom de levar as pessoas  não criativas  a se considerarem inteligentes.   




E o são, sem dúvida.


Ao perceber uma obra da criatividade há nas pessoas não envolvidas com aquela criação a sensação de realização, de descoberta , de privilégio por ter acesso aquilo antes das pessoas que não viram , ou que até podem ter visto, mas não valorizaram o que viam.

Um som, uma letra de música, um ritmo, uma harmonia,  um quadro, uma proposta filosófica (a relação é infinita)  que superem a barreira da incompreensão em sua primeira exibição pública tem o seu valor evoluído para uma nova virtude: a de tornar a pessoa melhor ao sentir-se como o que pode ser mais próximo da coautoria daquela criação..

A criatividade numa peça de artesanato produzida por artistas com poucos recursos, em locais de poucos recursos quando é percebida e valorizada por alguém estranho àquele ambiente produz a mágica de ser de imediato revalorizada pelos circunstantes e tornar o admirador externo – o padrinho da avaliação positiva – numa pessoa admirável naquela comunidade somente pelo fato de ter valorizado aquela obra criativa.

Que se torna maior pela admiração da pessoa não pertencente ao grupo onde vive o artesão. E tanto mais valorizado será ele quanto mais notória seja a pessoa de fora.

A criatividade não existe quando não encontra admiradores. Pois na admiração de outras pessoas é a medida da criatividade.  

E o seu aspecto mais duro é que pode ser vista de imediato como exigir dezenas e até centenas de anos para ser “descoberta” pelas pessoas.

Van Gogh - 30 de março de 1853 – 29 de julho de 1890 -   não teve a sua criatividade admirada ao longo de seus 37 anos de vida. Seu extraordinário valor começou a ser percebido nos primeiros anos do século 20 quando também se tomou conhecimento de sua imensa obra, mais de 1000 quadros, gravuras e esboços que se tornaram sofisticados nos seus dois últimos de vida.

A explicação de que os padrões estéticos do mundo evoluíram sendo Van Gogh um precursor deste novo momento da criatividade seria justificável, mas ainda estaria longe de uma verdade incontestável.

Outros pintores também foram revolucionários nos anos anteriores ao século 20, Van Gogh porém teve o privilégio de ter sido redescoberto.

As obras de Van Gogh e seus quadros em especial  passaram a ser comprados por milhões de dólares pois  independente de sua expressão artística, tornaram-se oficialmente  admirados por pessoas cujos critérios artísticos não eram diferentes  do das pessoas que ao longo de vida dele não investiriam nas obras que agora passaram a ser surpreendentemente valiosas.

A criatividade requer molduras onde possa ser vista e identificada pelo maior número de pessoas, e quanto mais pessoas mais valorosa será a Criatividade de seu autor.

A EXPERIÊNCIA DE REVOLUÇÃO DA CRIATIVIDADE E A BOSSA NOVA


O reconhecimento de um valor mais alto só pode existir em pessoas com muitas incertezas em sua mente. As incertezas não podem ser apenas as incertezas artísticas. 

Alguém que abrigue num determinado critério estético – como considerar um modo de fazer música, ou de pintar quadros, ou em projetar prédios, ou de definir comportamentos sociais, ou estruturas legais – será incapaz de admirar o novo, mesmo que ele caia no seu colo.

A capacidade de questionar os seus filtros racionais, mantendo-se coerente e sadio em seu modo de viver, é uma virtude cuja aplicação põe em risco a vida de quem se questiona em relação a qualquer tema.

O contestador reconhecido como uma pessoa criativa corre o sério risco pessoal de perpetuar a sua contestação aos ambientes em que viva, sem jamais ter sido criativo, embora ele próprio possa se achar um revolucionário incompreendido.

Talento que será usado exatamente na medida que o seu meio permita usar para garantir a sua sobrevivência. Dependendo do ambiente em que viva poderá contar com a leniência de seus vizinhos para sobreviver à espera de seu momento de florescer.

Um cabo do exército austríaco que sobreviveu à Primeira Guerra Mundial sendo pintor de paredes  que deveria ser reconhecido como um artista capaz de produzir quadros penou por alguns anos como um gênio criativo não reconhecido por seus colegas, e explodiu para desgraça do mundo como ideólogo de um movimento que muito além de seus quadros empolgou milhares de admiradores.

Os admiradores eram incapazes de urdirem toda a trama ideológica do cabo pintor, mas se sentiam  inteligentes, superiores, uma elite privilegiada por compreender e se integrar no nazi-fascismo de Adolf Hitler.

As frustações de Hitler foram a inspiração para a sua autoconstrução como fuhrer  do III Reich , e ele só pode vir a ser o que foi porque foi aceito e cultuado por um dos povos mais educados do mundo ocidental.

Um aval que por seu peso tornou o livro Mein Kempf – Minha Luta – uma bíblia para muitos líderes nacionais que se sentiram mais “inteligentes” ao aderirem ao pacote ideológico do cabo do exército austríaco da Primeira Guerra Mundial.
A única formação profissional organizada a que teve acesso o frustrado pintor de quadros medíocres que pode extravasas a sua criatividade com os milhões de mortos e feridos da Segunda Guerra Mundial.

Criatividade pode ser algo muito perigoso, daí não ser de espantar que as pessoas que testemunharam o aparecimento da Bossa Nova no Brasil tivessem cuidados especiais em adotá-la como uma legítima manifestação criativa e artística dos brasileiros.

Os brasileiros de todas as classes e capacitações econômicas viviam – sem saber disto pois quem está vivendo não sabe bem de que forma aquele momento vai ser julgado pela história – os efeitos da vitória da democracia – representada pelas Nações Unidas – contra as forças totalitárias do nazismo, fascismo e imperialismo dos alemães, italianos e japoneses.

Tudo que tivesse conotações com os valores mais ostensivos com os países líderes das Nações Unidas era bom. Sem precisar comprovar seu valor de forma mais definitiva.

A educação liberal, a democracia representativa, as expressões artísticas americanas – especialmente as norte-americanas – tinham todas o carimbo de coisa boa.

Foi num ambiente musical derivado de um passado muito criativo, especialmente no Rio de Janeiro que havia sido a sede da corte imperial, a sede dos governos da república, o centro da inteligência e da cultura brasileira que a música, os filmes a maneira de ser dos norte-americanos foi absorvida.

Nós cariocas adolescentes não podíamos admitir sermos vinculados a apenas valores herdados de nosso passado glorioso. O samba com a força de seu ritmo que nos tocava no fundo da alma era muito bom, mas deveria comportar releituras na sua composição.

O samba tal como uma variação em religiões que cria seitas passou a ser expresso como samba, com uma mudança na divisão de seu ritmo.

À nova divisão rítmica foi dado o apelido um tanto depreciativo de bossa nova, assim como a pintura de alguns artistas franceses no início do século ganhou o nome de impressionismo – também depreciativo, por inspiração de um quadro de Monet .

A respeitabilidade das pessoas era construída em torno de sua coerência pessoal com o passar dos anos.  Um elogio a que todos aspiravam era de “homem íntegro”.
Que tinha uma segunda leitura como homem de ideias firmes em relação a todos os assuntos e quanto mais assuntos com ideias íntegras mais respeitáveis seriam os cidadãos.

Todas as pessoas diante das contínuas novidades do pós guerra tinham dois caminhos a seguir: correr atrás dos novos comportamentos ( com um risco nunca antes detectado sobre a sua integridade) ou resistir às mudanças antes mesmo de saber do que se tratava, assegurando o respeito da família, vizinhos, colegas sem o menor esforço físico e mental.

A criatividade da bossa nova foi irrigada pelo desafio de vencer o repúdio dos preguiçosos íntegros e radicalmente apoiada pela necessidade de demonstrar o nosso valor. A bossa nova até pelo número de músicos, da escolha de seus instrumentos apropriou-se de conceitos jazzísticos, mas fugia a esta ligação com empenho igual aos valores das músicas tradicionais brasileiras do século 20.

O sucesso da Bossa Nova foi muito além do mundo musical. Zeitgeist , que quer dizer espírito da época , um termo em alemão (que deve ter influenciado as massas germânicas a elegerem e cultuarem o Hitler) invadiu todas as áreas do pensamento dos brasileiros.

Brasília=, (patrimônio da Humanidade reconhecido pela UNESCO dezenas de anos após a sua fundação) , nasceu ao som da Bossa Nova.

Nem Lúcio Costa nem Niemeyer nem qualquer arquiteto ou engenheiro que construiu a Cidade ao que eu saiba debruçou-se sobre suas pranchetas ouvindo a bossa nova. Mas a Bossa Nova foi o diapasão de tudo o que se fez no Brasil quando ela se integrava ao bom gosto brasileiro.

Houve inclusive um concerto com os criadores da Bossa Nova no Carnegie Hall de Nova York que ocupou  em nosso orgulho nacional um nicho como da Miss Brasil Marta Rocha que teria deixado de ser eleita Miss Universo, nos Estados Unidos, por ter duas polegadas a mais nos quadris.

O JORNAL DO BRASIL FOI GRANDE PALCO DA BOSSA NOVA EM TODA A SUA EXTENSÃO CULTURAL.

O Jornal do Brasil ocupava a sua primeira página – a capa – com anúncios classificados de emprego. Era uma comunicação de uma pessoa, o anunciante, visando um leitor que deveria encontrar ali o emprego que iria lhe garantir a vida econômica.

Na década de 50 o Jornal do Brasil, com o seu grupo de jornalistas com ideias avançadas começou a dividir o espaço nobre da capa com notícias e fotografias numa diagramação que abdicou dos fios entre as colunas que era a maneira tradicional de fazer jornais.

O JB passou a ter assinantes em maior número e tornou-se no exemplo para os demais jornais do Brasil. O seu suplemento dominical SDJB premiava os melhores intelectuais publicando as suas ideias no belíssimo caderno que não ficava a dever tanto em conteúdo como em estética ao que havia de melhor no mundo.


Havia uma elegância na forma do JB que se tornava numa forma de ver o Brasil daqueles anos. Não havia espaço para “aloprados” cafajestes na política. Seria algo muito inadequado aos olhos críticos dos leitores, mas claro que os aloprados existiam cheios de temores de serem vistos ou comparados aos privilegiados pelo reconhecimento jornalístico sofisticado.

NA PUBLICIDADE TAMBÉM MERGULHAMOS EM NOVAS ÁGUAS

Foi nos anos 50 que por um incentivo de Assis Chateaubriand a propaganda brasileira deu salto além do brilho pessoal de alguns de seus profissionais formados por sua própria vocação.

Foi fundada em São Paulo, nas instalações dos Diários Associados, do Chateau, a Escola que se se tornou na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e também o Museu que se transformou no MASP.

O Chateau era a essência da controvérsia: um misto de cangaceiro e visionário que dominou a comunicação no Brasil com jornais e rádios em todas as capitais e foi também o pioneiro das televisões botando no ar a Tupi de São Paulo antes de que as pessoas tivessem receptores de TV em suas casas.

Para adquirir as primeiras obras do acervo do MASP ele pedia doações aos grandes líderes empresariais mediante ameaças sutis de matérias nas suas mídias que iriam comprometer a sua imagem.

Os doadores , tanto os convencidos a doar como os achacados permitiram o MASP surgir e obter muito sucesso.

A ESPM , com o slogan: aprenda com quem faz. Começou a libertar o pensamento das pessoas que queriam trabalhar com propaganda dos laços de aço que tornavam, as agências internacionais o local onde se fazia a boa publicidade. E apenas lá.

A criatividade brasileira em ambiente descontraído, mas refúgio dos intelectuais pragmáticos , passou a ser vista e premiada nos grandes eventos internacionais.
Brasileiros se tornaram presidentes de grandes agências norte-americanas e mostravam que com engenho e arte isto seria possível para qualquer cara talentoso que quisesse ser publicitário.

A criatividade ousada por definição não podia ser ensinada nos cursos. Os cursos tinham e têm a função maior de não sufocar  a criatividade dos criativos que aprimoravam os seus dons olhando para outras coisas.

O Fusca,. Volkswagen foi a peça mais criativa do Ferdinand Porsche que inventou um carro pequeno nos anos 30 na Alemanha que gastava pouca gasolina e era refrigerado a ar.

O Fusca tornou-se num dos jipes do Wermarcht  alemã, sendo usado desde os locais cobertos de neve aos desertos do norte da África.

O carro começa a ser montado e logo fabricado no Brasil. Só que aqui o modelo alemão de engenharia impecável teve de ser adaptado localmente para ficar bom.

No Rio Grande do Sul a maior parte das estradas não tinha pavimentação.  Era de terra e a sua superfície recebia pedrinhas britadas para ficarem mais resistentes e não se transformarem em atoleiros nas chuvas.

As pedrinhas gaúchas são de basalto, um rocha escura que quando é partida se parte em dadinhos com bordas vivas que tal como os dados de jogar voam longe quando são apertadas de um lado só.

Os outros carros tinham as suas caixas de rodas protegidas por para-lamas incorporados às carrocerias. Os Fuscas tinham os seus quatro para-lamas como projeções fora da carroceria.

Um Fusca na disparada nas retas dos pampas promovia uma chuva de basalto cortante que afetava sobretudo a parte interna dos para-lamas. Que ficavam marcados como se tivessem sofrido uma chuva de granizo que vinha do chão.

O Fusca para ser usado nos pampas tinha de receber uma chapinha por dentro do para-lamas para impedir que os dadinhos de basalto amassassem a lataria.
Coisa que os engenheiros alemães nunca imaginaram que seria necessária em lugar algum do mundo.
Os jipes Willys do nordeste tinham também de ser adaptados pelos mecânicos locais para ficarem bons , melhores do que os jipes americanos que foram testados em todos os terrenos do mundo durante a Segunda Guerra Mundial.

Criatividade é ser capaz de imaginar estes aprimoramentos mecânicos a partir da descontração de um mecânico de interior. E criatividade aplicada é não impedir que estes desrespeitos sejam feitos  em relação aos trabalhos dos engenheiros americanos e alemães.

Eu tive no interior do estado do Rio um jipe com chassis alongado e motor de seis cilindros a gasolina que consumia uma barbaridade por quilômetro rodado, mas tinha este consumo reduzido em torno de 20% quando tinha o giglê do seu carburador gigantesco substituído pela ponta de uma caneta esferográfica Bic , de que era extraída a esfera .

O jipe perdia também potência, mas praticamente para tudo o que se fazia com ele havia potência suficiente.

O cara criativo que resolveu usar a ponta da caneta Bic para botar no giglê , cujo nome se perdeu, demonstrou o que era criatividade.  



Não parecia uma revolução criativa,
mas era e foi .Marcou o momento mais criativo dos brasileiros no século 20
MAIS SOBRE ESTE TEMA DENTRO DE DEZ ANOS...VALE A PENA ESPERAR!